O Congresso Nacional vive, mais uma vez, um daqueles episódios que envergonham a democracia. A aprovação, na Câmara dos Deputados, do chamado projeto da Blindagem escancara a distância abissal entre os representantes do povo e a sociedade. Em essência, o texto busca transformar parlamentares em cidadãos acima da lei, conferindo-lhes uma proteção que nada mais é do que um salvo-conduto para a impunidade.
Não por acaso, o presidente do Senado foi rápido em avisar que o projeto não prosperará na outra Casa que é bicameral. Mais do que isso. Mesmo que, por algum arranjo político, viesse a passar, o Supremo Tribunal Federal dificilmente deixaria de rechaçá-lo como flagrantemente inconstitucional. Afinal, a Constituição não pode ser reinterpretada para atender aos interesses de um grupo de políticos acuados pelas próprias práticas.
O problema é que, até chegar ao inevitável veto do Senado ou do STF, a Câmara já fez o país assistir a um espetáculo grotesco. Parlamentares que deveriam zelar pelo equilíbrio entre os Poderes e pela credibilidade das instituições se dedicaram, em plena luz do dia, a um projeto de autopreservação. A mensagem cristalina é de que blindar-se contra a Justiça virou prioridade maior.
É preciso dizer sem rodeios que trata-se de uma vergonha nacional. O Parlamento, que deveria ser espaço de transparência e fiscalização, arrisca-se a se transformar em uma fortaleza opaca, inacessível às regras que valem para qualquer cidadão comum.
A democracia não convive bem com intocáveis. Quanto mais tentam criar barreiras contra a responsabilização, mais fragilizam a confiança pública. Querem viver em uma bolha imune ao escrutínio da lei e da sociedade.
Se há algo de positivo em toda essa aberração, é a reação imediata da sociedade, de parte do Senado e a certeza de que o Supremo dará o destino adequado ao projeto, que será a lata do lixo constitucional. Mas isso não apaga a marca que já foi deixada. O episódio da Blindagem deve ser lembrado como um dos momentos em que o Congresso escolheu expor suas entranhas e mostrar que os que votaram favorável querem o cargo como abrigo.
Projeto da Blindagem revela que a democracia não convive bem com intocáveis

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